Notificação e prazo decadencial para responsáveis tributários na jurisprudência do Carf

Por Diego Diniz Ribeiro

Por Débora R. March

A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), em 10.11.2020, por meio do acórdão nº 9303-010.944, por maioria de votos, manifestou entendimento no sentido de que “o lançamento de ofício regularmente formalizado contra o contribuinte dentro do prazo legal resguarda o crédito tributário dos efeitos da decadência, ainda que os demais coobrigados venham a ser notificados de sua inclusão no polo passivo depois de expirado aquele prazo”.

Para o voto condutor, “nos casos de responsabilidade tributária, o marco da contagem do prazo decadencial é a data da ciência do lançamento fiscal pelo sujeito passivo direto, sendo irrelevante, para esse fim, a data da ciência do lançamento pelos responsáveis solidários”.

O acórdão proferido pela 3ª Turma da CSRF debruçou-se sobre relevante tema envolvendo o instituto da decadência e fomentou a presente análise, que será desenvolvida de forma breve, à luz do posicionamento atualmente mantido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Para melhor compreensão da controvérsia, é importante destacar que a decadência pode ser definida como a extinção de um direito material pelo seu não exercício durante determinado lapso temporal, fixado em lei. No âmbito tributário, trata-se da extinção do direito detido pela Fazenda Pública de efetuar o lançamento em razão de sua inércia.[3]

Pois bem. Em sentido oposto à decisão proferida pela 3ª Turma da CSRF, em 17.6.2019, a 2ª Turma da CSRF (acórdão nº 9202­007.948) manifestou-se no sentido de que “não há que se falar em interrupção do prazo decadencial em relação aos solidários, pela notificação do lançamento ao devedor principal, por falta de previsão legal nesse sentido”.

Para a Turma, “o prazo decadencial deve ser aferido individualmente, ou seja, em relação a cada um dos co­obrigados, interrompendo­-se apenas com a sua respectiva ciência acerca da constituição do crédito tributário em seu desfavor”.

Diante deste cenário, já se percebe que a fragilidade do tema decorre do fato de que há divergência de entendimento a respeito do assunto no âmbito da CSRF. Mas não é só. No âmbito do Carf há, ainda, uma segunda discussão acerca da extensão dos efeitos da decadência a todos os coobrigados tributários, que merece ser analisada em conjunto com o tema ilustrado acima, pois refletem o mesmo raciocínio.

A 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção, por meio do acórdão n. 2402-009.250, analisou discussão que envolvia a extensão dos efeitos do reconhecimento da decadência aos demais obrigados, na hipótese de análise e reconhecimento para somente um deles.

Nesse contexto, utilizando-se da analogia, a Turma compreendeu que o artigo 125 do CTN é aplicável àquele caso, tendo consignado que “tanto o pagamento, quanto a decadência são formas de extinção do crédito; destarte, valendo-se do comando expresso do artigo 125 do CTN surge que decadência operada em favor de um devedores [sic] solidários, aproveita aos demais”.

Em sentido oposto, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção (acórdão nº 2401­005.322) compreendeu que “no pagamento, há prévio crédito tributário, constituído pelo sujeito passivo ou, mediante o ato de lançamento, pela administração tributária”. “Na decadência, por outro lado, deixa­se de constituir o crédito tributário. Em pese [sic] o CTN considerá-los como causas de extinção do crédito, é inviável a [sic] acolhimento do raciocínio sobre a equivalência, em qualquer caso, dos seus efeitos.” Em seu entendimento, portanto, “não é possível inferir, por analogia ao artigo 125 do CTN, que a decadência reconhecida em face de um dos solidários aproveita aos demais”.

De fato, não reflete a melhor exegese acerca do tema o reconhecimento da decadência, assim como da interrupção do seu prazo, na hipótese da notificação do correspondente lançamento ter sido efetuada somente na pessoa do contribuinte.

Em outras palavras, o reconhecimento da decadência com relação a todos os coobrigados pela extinção do crédito tributário, quando analisada e reconhecida em relação a um deles, não deve aproveitar aos demais, na medida em que não há previsão legal nesse sentido[4], diferentemente do que ocorre com a prescrição (artigo 125, inciso III, do CTN). Aliás, nessa discussão em particular, convém aqui repisar trecho do voto em análise (Acórdão Carf nº 9303-010.944) quando assim aduz:

É noção geral, o prazo decadencial do artigo 173, inciso I, do CTN, refere-se exclusivamente à constituição do crédito tributário em face do contribuinte, mas não em relação à inclusão dos responsáveis solidários no polo passivo da obrigação tributária.

Se de fato prevalecer esse entendimento, o lançamento tributário contra eventuais responsáveis jamais decairia, o que se opõe à própria existência do instituto da decadência, i.e., o de evitar a eternização de controvérsias jurídicas e, com isso, conferir segurança jurídica ao sistema tributário.

Logo, a interrupção do prazo decadencial, por ocasião da notificação do lançamento efetuada com relação a apenas um dos sujeitos passivos da obrigação tributária, não interrompe, automaticamente, a contagem do prazo para os demais coobrigados.

Trata-se de coerência decisória[5], exigida pelo artigo 926 do CPC[6] e, infelizmente, cada vez mais ignorada no âmbito da realização prática do direito. O tratamento dado ao instituto da decadência e, por conseguinte, aos seus efeitos, não pode se alternar a depender do resultado prático da exigência fiscal (manutenção ou cancelamento do auto de infração). Logo, se o reconhecimento dos efeitos da decadência não implica a extinção do crédito tributário a todos os coobrigados, de igual forma a interrupção do prazo decadencial não opera efeitos para todos os sujeitos passivos dessa mesma obrigação.

Dito isso, compete ao Carf unificar de forma substancial o entendimento do Tribunal a respeito do instituto da decadência, de modo a garantir outro importante valor exigido da atividade judicante: a previsibilidade.


[3] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 285.

[4] O que demandaria lei complementar, nos termos do art. 146, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal.

[5] A coerência aqui sublinhada não se limita à forma, mas apresenta um caráter substancial, o que tem a ver com a necessidade de os Tribunais respeitarem o conteúdo (ratio) das suas próprias decisões anteriormente proferidas, o que a doutrina tem chamado de um dever de autorreferência. Nesse sentido: DIDIER JÚNIOR, Fredie. BRAGA, Paulo Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10ª ed. Salvador: JusPodivm. Vol. 02, 2015. p. 480.

[6] Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Copyright © 2023 Todos os direitos reservados Desenvolvido por Kameleon Marketing Digital

 
Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies. Saiba mais