A tributação das subvenções de investimento entre a intenção e a ação

Por Carlos Augusto Daniel Neto


Poucos temas promoveram tantos enfoques problemáticos distintos no âmbito do Carf quanto a tributação das subvenções de investimento concedidas pelos entes federados, em especial os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, concedidos pelos estados. O tema, entre nós, foi muito bem apresentado em outra coluna pelo conselheiro Fernando Brasil [1], pontuando as diversas questões que o Carf foi chamado a responder.

Sem dúvidas, as grandes novidades sobre o tema foram a edição da Lei nº 12.973/2014, que em seu artigo 30 dispôs sobre a caracterização das subvenções de investimento e os requisitos para que não fossem computadas no lucro real, e a Lei Complementar nº 160/2017, que incluiu os §§4º e 5º nesse artigo, estabelecendo que os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal seriam considerados “subvenções para investimento”, sendo vedada a exigência de outras condições não previstas no artigo, e que esse novo dispositivo se aplicaria a processos administrativos e judiciais não definitivamente julgados.

Com a redação do artigo 30, exigiu-se que as subvenções para investimento fossem registradas em reserva de lucros (reserva de incentivos fiscais) e somente poderiam ser utilizadas para absorção de prejuízos (desde que posteriormente à absorção das demais reservas de lucros, com exceção a legal) ou aumento do capital social.

Por outro lado, o gozo do regime da LC nº 160/2017 estava condicionado à existência de convênio deliberando sobre o benefício, com sua publicação nos diários oficiais, bem como registro e depósito na Secretaria Executiva do Confaz (artigo 2º e 3º), incluindo-se aí também os benefícios concedidos unilateralmente, desde que registrados e depositados, na forma descrita anteriormente.

Com isso, todas as discussões sobre a sincronicidade entre o recebimento da subvenção e a implantação/ampliação do empreendimento, efetiva aplicação específica na aquisição de bens para o ativo permanente e eventuais outros requisitos trazidos pelo Parecer Normativo CST nº 112/1978 foram abandonados pelos colegiados do Carf, na análise desse tema (nesse sentido, v. Acórdão n. 1201-003.019 [2], 1402-003.711 [3], 1402-004.538 [4], 1302-003.230 [5]).

Não obstante, um outro parâmetro de controle passou a ser visto nos precedentes do Carf: a existência de uma intenção do ente subvencionador de que haja uma efetiva implantação/expansão do empreendimento, que seria demonstrada, por exemplo, um mecanismo de controle da aplicação dos recursos e o acompanhamento de sua utilização. Como afirmado no Acórdão nº 9101-002.566 [6]“não basta uma mera disposição legislativa, editada pelo ente subvencionador, para que reste caracterizada a subvenção para investimento”, devendo se analisar se “a legislação do ente (…), em tese, estabelece critérios objetivos e efetua o devido controle para acompanhar a efetividade da aplicação dos recursos” (na mesma linha, Acórdão nº 9101-003.171 [7]).

Esse mesmo critério é colocado de forma ainda mais ostensiva no Acórdão nº 9101-003.084 [8], onde se afirmou que, ao lado dos requisitos formais, dever-se ia analisar intenção do poder público em estimular a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e a efetiva implantação/expansão.

Apesar de as decisões falarem ora em “critérios objetivos de controle e acompanhamento das subvenções” e a outra falar em “intenção do poder público”, ambas estão se referindo à mesma coisa, com o primeiro grupo de decisões se referindo diretamente aos indícios probatórios utilizados para aferir esse aspecto volitivo do legislador.

Pois bem. Muito recentemente, foi proferido o Acórdão nº 9101-005.508 [9], resolvido por maioria de votos, no qual prevaleceu o entendimento de que a LC nº 160/2017 “subtraiu das Autoridades de Fiscalização tributária federal e dos próprios Julgadores do contencioso tributário de analisar normativos locais e, consequentemente, de decidir se determinada benesse estadual ou distrital, referente ao ICMS, trata-se de subvenção de custeio ou de investimento”. Em outras palavras, uma vez atendidos os requisitos formais de escrituração e utilização das subvenções, bem como a exigência de registro e depósito, não caberia ao Carf avaliar a intenção do legislador, ou particularidades da lei específica.

Como se vê, trata-se de uma linha diametralmente oposta que, à primeira vista, indicaria a desnecessidade, doravante, de uma análise aprofundada da legislação concessiva da subvenção, para a determinação de sua natureza jurídica. Cumpre-nos uma análise aprofundada do longo acórdão, para verificar o quanto foram alterados os critérios que vinham sendo adotados pela 1ª CSRF nesse tema.

O voto vencido, do conselheiro Luiz Tadeu Matosinho, faz uma análise percuciente do programa Fomentar, do estado de Goiás, a partir da premissa de que, após a LC nº 160/2017, o reconhecimento da natureza de subvenção de investimento dependeria de dois fatores: “(i) Intenção do Estado de estimular a implantação ou a expansão de empreendimentos econômicos; (ii) registro em reserva de lucros”.

Em sua análise, aponta, por exemplo, que a legislação estadual afirma que o beneficiário “poderá aplicar” o montante equivalente ao desconto concedido pelo estado para a ampliação e/ou modernização de seu parque industrial, e que, por sua vez, “modernização” não se confundiria com “implantar e expandir”. Além disso, aduz que a “autoproclamação do incentivo como subvenção não tem o condão de dar-lhe tal roupagem jurídica, ao menos para fins fiscais”, mormente em razão da inexistência de fixação de contrapartidas pelo benefício, ou exigência de comprovação do investimento na ampliação/expansão do empreendimento. Desse modo, conclui que o incentivo teria caráter de subvenção para custeio e, portanto, deveria compor o lucro real.

Como se vê, seu voto adotou a mesma linha que vinha sendo vencedora na 1ª CSRF, que buscava analisar a “intenção” do legislador que concedeu a subvenção, em busca de elementos concretos que indicassem a vinculação do benefício à ampliação/expansão do empreendimento, ou mesmo estabelecesse um controle objetivo da aplicação desses recursos.

Por outro lado, a posição vencedora, versada em voto do conselheiro Caio Quintella, parte de uma extensa apresentação teórica do tema, minuciando aspectos jurídicos e contábeis das subvenções de investimento e custeio, ao longo do tempo, chega à edição da LC nº 160/2017 e sustenta que houve um “total afastamento de qualquer disposição contida ou fundamento baseado no Parecer Normativo CST nº 112/78” e que tampouco caberia às autoridades fiscalizatórias e julgadoras investigarem a natureza jurídica dos benefícios fiscais e financeiros-fiscais concedidos pelos estados, referentes a ICMS, bastando apenas a conferência dos aspectos formais, mencionados anteriormente.

Para o conselheiro, a LC nº 160/2017, na condição de norma nacional, estabeleceu de maneira cogente que todas os incentivos de ICMS deveriam ser considerados como subvenções de investimento. Para o julgador, em função desse caráter nacional do artigo 9º da LC, ele deveria impactar a interpretação do próprio artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, eliminando dúvidas quanto à qualificação das subvenções a que se referiu.

Consequentemente, para Quintella, o artigo 30, §4º, da Lei nº 12.973/2014, seria uma regra de qualificação, atribuindo a todos os benefícios de ICMS a natureza de subvenção de investimento, independente da forma como eles estejam configurados concretamente, com a finalidade de fazer cessar o contencioso federal em torno dessa matéria.

Portanto, atendidos os requisitos de tratamento contábil e a sua utilização, bem como o registro e depósito do benefício, a investigação da “efetiva intenção do legislador” seria descabida e ilegítima nos julgamentos sobre o tema.

Em oposição diametralmente oposta à posição vencida, adotou-se aqui uma linha de inquestionabilidade da natureza jurídica das subvenções concedidas pelos estados, em matéria de ICMS. A existência de votos de metade dos membros do colegiado adotando essa linha, em virtude da regra de desempate vigente, sinaliza uma mudança de entendimento no âmbito da 1ª CSRF, que poderá influenciar as discussões nas Câmaras Baixas a respeito do tema.

Entretanto, vale lembrar que posição vencedora foi formada por maioria de votos, tendo como diferencial o voto do conselheiro Fernando Brasil, que apresentou interessante declaração de voto. Em condições usuais, sem a vigência do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02, esse voto teria sido o “fiel da balança”, e sua análise nos parece necessária.

Em seu voto, o conselheiro sumariou as posições assumidas pela 1ª CSRF em julgamentos anteriores, após a vigência da LC nº 160/2017, apontando que sempre se reconheceu a necessidade de identificar a “intenção do Estado em estimular a implantação e expansão dos empreendimentos”, rejeitando a exigência de sincronismo entre a aplicação dos recursos e a concessão da subvenção.

Entretanto, afastou-se das premissas do voto vencido na medida em que, se por um lado “a autoproclamação do incentivo como subvenção (…) não tem o condão de surtir efeitos para fins de incidência de tributos federais”, não caberia ao Carf “examinar circunstâncias de fato e a efetividade do investimento realizado pelo contribuinte, ou ainda os aspectos temporais da legislação estadual quanto a realização de novo investimento a partir de determinada data futura ou do início do benefício fiscal em questão”.

Em suma, deve-se buscar apenas o “intuito do legislador estadual” quanto à concessão do benefício, aliado às questões formais. Não caberia ao órgão julgador analisar particularidades do programa, tais como condições ou métodos de controle utilizados pelo ente estadual para aferir o cumprimento dos requisitos para fruição de benefício. Ao final, em relação ao caso concreto, entendeu que a lei estadual exigiu que a aplicação a subvenção na ampliação ou modernização de seu parque industrial, razão pela qual votou pelo provimento do recurso especial do contribuinte, acompanhando, pelas conclusões, o voto vencedor.

Aqui há uma terceira via, que consideraria como uma posição intermediária entre as duas apresentadas anteriormente: nem se considerada absolutamente irrelevante a intenção explícita ou implícita do legislador, na identificação das subvenções de investimento, tampouco se exige mecanismos e parâmetros de controle na legislação, que controlem a sua aplicação em concreta.

Como ensinavam os gregos, in medio stat virtus.

Por um lado, considerar a irrelevância da intenção do legislador, poderia conduzir ao reconhecimento de um benefício fiscal de ICMS manifestamente destinado ao custeio de operações como subvenção para investimento. Por outro, imiscuir-se em particularidades de controle legal da aplicação de recursos é, ao fim e ao cabo, voltar a exigir, de maneira sutil e indireta, a comprovação de emprego concreto das subvenções, sem base legal para tanto.

De fato, o que exige a legislação é que a concessão seja feita como “estímulo à implantação ou expansão dos empreendimentos”: não se pode confundir, em nosso entender, a intenção do legislador (implícito ou explícito) e os efeitos da sua ação. Não é possível que a atribuição do regime tributário das subvenções de investimento fique condicionada aos efeitos concretos da sua concessão ou do grau de controle que o Estado tenha sobre a aplicação desses recursos. Por exemplo, é plenamente possível que, em determinada conjuntura, a empresa beneficiada sofra retração, apesar dos benefícios fiscais.

No tema da tributação das subvenções de investimento, atualmente orbitando entre o abandono do escopo abstrato do legislador e a busca pela garantia de resultados concretos, ficamos no meio do caminho, com a lembrança de Henfil: “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente”.


[1] https://www.conjur.com.br/2019-abr-24/direto-carf-carf-debate-tributacao-subvencoes-investimento.

[2] Relator Cons. Alexandre Evaristo, j. 16/07/2019.

[3] Relator Cons. Caio Quintella, j. 24/01/2019.

[4] Relator Cons. Evandro Correia Dias, j. 11/03/2020.

[5] Relator Cons. Flavio Machado, j. 21/11/2018.

[6] Relator Cons. André Mendes, j. 13/03/2017. Veja-se que é um critério que já existia anteriormente à vigência da LC n. 160/2017.

[7] Relator Cons. André Mendes, j. 07/11/2017.

[8] Relatora Cons. Cristiane Silva, j. 18/10/2017.

[9] Redator Designado Cons. Caio Quintella, j. em 13/07/2021.

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