Créditos de PIS/Cofins com despesas portuárias na importação e exportação

Por Carlos Augusto Daniel Neto

Na nossa coluna desta semana abordaremos tema que foi recentemente objeto de decisão bastante alardeada da 3ª Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), autorizando a tomada de créditos de PIS/Cofins não cumulativos sobre despesas portuárias, com base no artigo 3º, II, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, que dispõem, verbis:

“Artigo 3º — Do valor apurado na forma do artigo 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o artigo 2º da Lei no 10.485, de 3/7/2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI”.  

Antes de adentrar nessa decisão específica, é preciso esclarecer dois pontos: 1) o que seriam tais despesas portuárias; e 2) em que espécie de operação elas estariam sendo realizadas, se importação ou exportação.

Os serviços portuários podem abranger uma gama de atividades bastante ampla, a exemplo do rol de atividades trazida pela Lei nº 12.815/2013, em seu artigo 40, §1º, quais sejam, capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações, além de algumas atividades não listadas nesse dispositivo, como a armazenagem da mercadoria no estabelecimento alfandegado.

Pois bem, esses gastos podem ser envidados por uma empresa brasileira, sujeita ao PIS/Cofins não cumulativo, tanto no âmbito de operações de importação, quanto de exportação, e essa distinção tem sido relevante para a solução jurídica a ser dada pelo Carf.

Em se tratando de despesas portuárias na importação, a Receita Federal possui entendimento exarado no ADI RFB nº 04/2012 no sentido de que elas não geram direito ao desconto de créditos de PIS/Cofins por falta de amparo legal.

Não obstante, verifica-se que o Carf tem reiteradamente reconhecido que as despesas portuárias relacionadas à importação de insumos que serão empregados no processo industrial ou produtivo (e.g. matérias-primas) devem ser consideradas parcela do custo de aquisição da mercadoria e, portanto, passível de creditamento com base no artigo 3º, II, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03.

Esse entendimento é sintetizado no Acórdão nº 3402-007.190 [1], unânime, ao afirmar que “os serviços portuários aplicados diretamente aos insumos importados são imprescindíveis para que estes cheguem até estabelecimento da recorrente, onde ocorrerá efetivamente o processo produtivo de interesse. Embora antecedam o processo produtivo da adquirente, são serviços essenciais. A subtração do serviço portuário privaria o processo produtivo da recorrente do próprio insumo importado” (no mesmo sentido, v. Acórdão nº 3201-007.210 [2]).

Merece destaque, no acórdão citado, que a relatora traça um paralelo entre as despesas portuárias e a possibilidade de creditamento do “insumo do insumo” (a exemplo das discussões sobre os créditos de custos na fase agrícola de agroindústrias, e.g. Acórdão nº 9303-007.864 [3]), reconhecendo se tratar de discussões absolutamente análogas, e que, portanto, deveriam ter o mesmo tratamento, e invoca o entendimento exarado pela própria RFB, no Parecer Normativo nº 05/2018 — o que indica uma contrariedade com o ADI RFB nº 04/2012.

Com as mesmas conclusões, mas sem recorrer ao precedente firmado pelo STJ no REsp nº 1.221.170/PR, o Acórdão nº 3201-003.170 [4] recorre à analogia com os custos de frete na aquisição de insumos, que tradicionalmente são reconhecidos pelo Carf como componente do custo do produto adquirido e, logo, creditável.

Fato é que após o julgamento do REsp nº 1.221.170/PR, a jurisprudência do Carf se pacificou no sentido de reconhecer o direito de creditamento de custos relacionados à aquisição de insumos para o processo produtivo, encerrando maiores polêmicas sobre essa questão.

Por outro lado, em relação à exportação de produtos acabados, o cenário é bem distinto.

Os Acórdãos nº 3401-003.069 [5] e 3401-006.211 [6], unânimes, mantiverem a glosa desses créditos, justificando que as despesas portuárias não poderiam ser consideradas insumos, por serem gastos posteriores à finalização da produção (e não serem decorrentes de obrigação legal, naturalmente), e tampouco se enquadrariam no artigo 3º, IX, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 (que autorizam o crédito relativo a despesas de armazenagem e frete na venda, se arcados pelo vendedor) por não se tratar de armazenagem, nem frete, mas de outros serviços.

No Acórdão nº 3402-007.345 [7], ressaltou-se adicionalmente o teor do Parecer Normativo RFB nº 05/2018, que entendeu que somente seria possível o reconhecimento de gastos posteriores à finalização do produto como insumos nos casos em que ele seja decorrente de obrigação legal, o que não seria na hipótese dos serviços portuários. Adotando essa mesma linha v. Acórdãos nº 3302-005.648 [8], 3001-001.339 [9] 9303-006.718 [10], 9303-009.346 [11].

No sentido contrário, mencione-se os Acórdãos nº 3201-007.881 [12] e 3201-003.170 [13], que reconhecem que as despesas portuárias são imprescindíveis para a efetivação das operações do contribuinte, sendo consideradas insumos em razão da sua essencialidade.

Como se vê, há uma tendência bastante consolidada na jurisprudência, nas câmaras baixas, quanto a negar o direito de crédito sobre essas despesas, nas operações de exportação, por não serem insumos, nem se confundirem com armazenagem/frete na venda, não se subsumindo, portanto, às hipóteses do inciso II ou IX do artigo 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03.

Na 3ª CSRF a posição assumida tem oscilado bastante, não apenas nas conclusões como nos fundamentos adotados.

Em precedentes mais antigos (Acórdãos 9303-006.718 [14] e 9303-009.727 [15]) se rejeitou o crédito de despesas portuárias por se tratar de gasto após o término da produção da mercadoria, e que logo não se enquadrariam como insumos. Nesse ponto, é paradoxal que a 3ª CSRF tenha decisões contemporâneas reconhecendo os créditos de fretes de produtos acabados como insumos essenciais, invocando o REsp nº 1.221.170/PR (Acórdão nº 9303-008.585 [16]), ao mesmo tempo em que negue tal crédito às despesas portuárias pelo fundamento de serem posteriores ao processo produtivo.

O critério do artigo 3º, II, entretanto, foi abandonado posteriormente: no Acórdão nº 9303-008.304 [17], de 3/2019, por unanimidade, afirmou que as despesas portuárias e de estadia, nas operações de exportação de produtos, constituiria “despesas de armazenagem e/ou despesas nas operações de venda” e, portanto, geraria crédito de PIS/Cofins, com base no artigo 3º, IX, da legislação de regência.

Por outro lado, no Acórdão nº 9303-009.719 [18], de 11/2019, por maioria de votos, se negou o creditamento de despesas portuárias na exportação rechaçando o enquadramento de tal gasto como insumo, e sustentando que também estaria fora do alcance do artigo 3º, IX, pois “a operação de venda se dá até a entrega no local de embarque para exportação”.

No Acórdão nº 9303-010.124 [19], de 2/2020, reconheceu-se o direito ao creditamento das despesas portuárias como insumos, sob o fundamento de que o contribuinte era prestador de serviços portuários para terceiros e esses gastos seriam insumos do seu processo produtivo — trata-se, portanto, de um contexto fático distinto dos demais casos analisados.

Na sequência, nos Acórdãos nº 9303-010.724 [20] e 9303-011.239 [21], ambos por voto de qualidade, foi rejeitado o creditamento por não serem gastos essenciais à produção dos bens vendidos, não se enquadrando como insumos conforme o conceito estabelecido pelo STJ. Complementarmente, ambos aduziram que tais despesas não seriam caracterizáveis como frete e armazenagem na operação de venda, afastando também o artigo 3º, IX.

Por fim, a decisão alardeada recentemente foi aquela proferida no Acórdão nº 9303-011.412 [22], o voto vencedor se limitou a dizer que “em razão das operações de importação e exportação, tanto de matérias-primas como dos produtos acabados, as despesas com serviços portuários mostram-se essenciais ao seu processo produtivo”, enquadrando tais gastos como insumos e reconhecendo o direito ao crédito com base no artigo 3º, II. A posição favorável ao contribuinte acabou prevalecendo por força do artigo 19-E, da Lei nº 10.522/2002, em face do empate no julgamento.

Em primeiro lugar, causa estranhamento a decisão fazer referência às operações de importação e exportação em seu voto, quando a matéria admitida se referia exclusivamente “aos serviços portuários após o processo produtivo”, como esclarecido pelo relator. Mais ainda, o fundamento apresentado não explicita de que forma tais gastos seriam “essenciais ao processo produtivo”.

Como definido pelo próprio STJ, essencial “são todos os bens e serviços que sejam pertinentes ao processo produtivo ou que viabilizem o processo produtivo, de forma que, se retirados, impossibilitariam ou, ao menos, diminuiriam o resultado final do produto”. Ora, em se tratando de despesas realizadas após a conclusão do processo produtivo — fato incontroverso no julgamento — caberia uma justificação mais analítica para explicar, qual seria a relação desses gastos portuários com o processo produtivo já encerrado.

O próprio STJ, no julgamento repetitivo, adotou a linha de que gastos posteriores à produção do bem ou prestação do serviço somente poderiam se enquadrar como insumos se decorressem de legislação específica, o que não é o caso. Tanto é assim que a discussão atual se desenvolvia mais em torno do alcance do artigo 3º, IX do que do seu inciso II, para tais gastos.

Com a devida vênia, é um fundamento descompassado em relação à matéria sob julgamento, tendo em vista se tratar não de operações de importação, para a aquisição de matérias-primas, onde caberia a verificação da essencialidade em relação ao processo produtivo, mas sim de exportação, para a venda do produto acabado. O conceito de insumo não compreende gastos posteriores à produção do bem, salvo hipóteses de imposição legal — tanto que no REsp nº 1.221.170/PR se rejeitou o crédito sobre despesas comerciais sob este fundamento.

O próprio fundamento destoa de precedentes favoráveis anteriores da 3ª CSRF, que reconheceram o crédito com base no artigo 3º, IX — entendimento este modificado posteriormente — e da jurisprudência predominante no âmbito das turmas das câmaras baixas.

Não nos parece possível afirmar estarmos diante de uma mudança na jurisprudência do órgão, sobretudo em razão da possibilidade de a matéria chegar à 3ª CSRF por meio de processos de compensação, para os quais o Carf tem afastado a aplicação do voto de qualidade. Além disso, o próprio artigo 19-E, que foi fundamental à decisão favorável, se encontra em franca discussão de sua constitucionalidade no âmbito do STF, sem previsão alguma quanto ao desfecho desse tema.

Como se vê, a discussão em relação aos créditos na importação é bem mais pacífica que em relação à exportação. Além disso, no âmbito da própria CSRF o tema recebeu abordagens das mais diversas, ora favoráveis, ora desfavoráveis, oscilando inclusive quanto aos fundamentos pelo reconhecimento ou pela rejeição das despesas portuárias como créditos de PIS/Cofins.

Como não poderia deixar de ser, onde houver insegurança no conteúdo e alcance dos pontos de partida dogmáticos, haverá também insegurança nos resultados jurídicos alcançados.


[1] Rel. Cons. Maria Aparecida Martins de Paula, julgado em 17/12/2019

[2] Red. Designado Cons. Leonardo Toledo de Andrade, julgado em 22/9/2020.

[3] Rel. Cons. Tatiana Migiyama, julgado em 6/2/2019.

[4] Rel. Cons. Marcelo Vieira, julgado em 27/9/2017.

[5] Rel. Cons. Eloy Eros, julgado em 26/1/2016.

[6] Rel. Cons. Rosaldo Trevisan, julgado em 22/5/2019.

[7] Rel. Cons. Silvio Rennan Almeida, julgado em 19/2/2020.

[8] Red. Designado Cons. Vinícius Guimarães, julgado em 24/7/2018.

[9] Red. Designado Cons. Marcos Roberto da Silva, julgado em 16/7/2020.

[10] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 15/5/2018.

[11] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 14/8/2019.

[12] Rel. Cons. Paulo Roberto Duarte Moreira, julgado em 24/2/2021.

[13] Rel. Cons. Marcelo Vieira, julgado em 27/9/2017.

[14] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 15/5/2018.

[15] Rel. Cons. Demes Brito, julgado em 6/1/2020.

[16] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 15/5/2019.

[17] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 20/3/2019.

[18] Rel Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 11/11/2019

[19] Rel. Cons. Tatiana Migyiama, julgado em 11/2/2020.

[20] Rel. Cons. Andrada Canuto Natal, julgado em 17/9/2020.

[21] Red. Designado Cons. Luis Eduardo Santos, julgado em 10/2/2021.

[22] Red. Designada Cons. Vanessa Marini, julgado em 15/4/2021.

Copyright © 2023 Todos os direitos reservados Desenvolvido por Kameleon Marketing Digital

 
Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies. Saiba mais